Energia e Mineração

AS AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL E SUA INVOLUÇÃO

No momento em que se discute a reformulação do papel da Agências Reguladoras no Brasil, é bom lembrar que a criação destas inspirou-se em modelos desenvolvidos no exterior. Os modelos visavam a independência dessas agências com relação ao Governo, aos agentes econômicos e aos políticos, para atender aos interesses maiores da sociedade, além de assegurar maior previsibilidade e estabilidade aos investidores nacionais e internacionais.

As agências reguladoras têm sua origem no Século XIX, nos EUA. A motivação para sua criação decorreu da necessidade de disciplinar o rápido desenvolvimento tecnológico das estradas de ferro, que tiveram um impacto central na vida do cidadão americano, como nunca antes acontecera.

As empresas ferroviárias, com sua economia peculiar, implicavam no desenvolvimento do que veio a ser chamado de “monopólio natural”, o que gerou a necessidade de políticas adequadas para controlar ou inibir as falhas de mercado, em outras palavras, um equilíbrio mais justo e racional entre interesses públicos e privados.

A busca desse equilíbrio demandou um novo instrumento jurídico-institucional, com características de permanência, lastreado em quadros dotados de conhecimento especifico e experiência, os quais fossem, além disso, apolíticos. Surgiu, assim, o que veio a ser conhecido como uma comissão reguladora.

As características das empresas ferroviárias demandavam que grandes despesas, como a compra de terras, a construção da base para lançamento de trilhos, a aquisição de trilhos, locomotivas e vagões, entre outros, fossem feitas antes da possibilidade de recuperar qualquer valor investido. As ferrovias equipadas precisavam estar prontas para permitir o transporte de cargas e passageiros, antes que a receita decorrente dessas atividades fosse possível. Tais empresas vieram a ser conhecidas como indústrias capital-intensivas.

No início do século XX, surgem as indústrias de produção de energia elétrica, que vieram a superar os gastos incorridos por uma ferrovia, o que também acontece na indústria do petróleo.

No caso de uma ferrovia, os preços a serem praticados eram a consequência do número de passageiros e os volumes de carga a serem transportados. Ou seja, quanto maior o número de passageiros ou o volume de carga, menor o preço que poderia ser praticado. É o que se conhece como economia de escala.

Tais condicionantes foram o grande motivador para a criação da Comissão Reguladora. Na economia de escala, em teoria, quanto maior a escala, potencialmente menor o preço praticado. Para reduzir o preço, deve-se aumentar a escala, daí surge a tendência ao monopólio natural. Dito de outra forma, para obter os melhores custos e preços, a competição não deveria ocorrer. Nos EUA de então, marcado
por princípios econômicos liberais, as noções de monopólio e de restrições a competição, eram conceitos inaceitáveis.

A ideia de que as estradas de ferro fossem propriedade estatal, como em alguns países da Europa, não era atrativa num país tradicionalmente avesso à presença do Estado no setor produtivo. Além disso, nos EUA prevalece o conceito de divisão da autoridade constitucional, o que implicaria enormes obstáculos e dificuldades legais quanto à responsabilidade da União e dos Estados no controle e gestão cotidianos dessas empresas.

Ademais, a administração de empreendimentos complexos, como uma ferrovia, demandava um gerenciamento competente e especializado, algo ausente no sistema político norte-americano, que fora criado com outros objetivos, como consta da sua Constituição.

Forçar a competição entre as ferrovias não obteve êxito, tampouco estimulou a construção de novas vias. Tentou-se também a restrição dos lucros, o que foi prontamente descartado porque desestimulava novos empreendimentos.

O conceito de um “retorno adequado para um valor correto”, veio a influenciar a regulação que se desenvolveu posteriormente. Decisivo, igualmente, foi o entendimento de que o conhecimento especializado não é encontrado nem no Legislativo, nem no Executivo, pela própria natureza de renovação de pessoas permanentemente, que resulta da natureza destas atividades. O curto espaço de tempo em que os legisladores e os membros do Executivo passam em seus cargos, eletivos ou não, também demonstravam que era necessário buscar um novo tipo de solução, mais permanente, para o melhor desenvolvimento dessas formas complexas de atividade econômica.

Tornou-se claro, portanto, que para atender aos interesses da sociedade e do setor privado, conhecimento e experiência analítica tinham que tornar parte permanente do sistema de governança. A resposta inovadora a esses dilemas foi a criação das agências reguladoras.

Em síntese, entidades permanentes, dotadas de corpo técnico especializado e com o conhecimento necessário, poderiam agir no sentido de buscar o equilíbrio entre os diferentes interessados e, quando necessário, levar informações relevantes, para que o legislativo pudesse tomar decisões corretas, e não baseadas apenas em informações parciais e as vezes, distorcidas.

Os debates e discussões quanto à forma que deveriam seguir as agências reguladores, sua atuação e sua posição no ordenamento legal de um país, vêm se desenvolvendo ao longo dos anos e continuam vivos até os dias presentes, como é o caso do Brasil, na atualidade.

O breve histórico, sobre a origens das agências, teve como objetivo ressaltar os problemas que levaram à criação das mesmas e permitir a compreensão das diretrizes usadas mundo afora, de forma mais ou menos semelhante, para a solução dos problemas de busca do equilíbrio entre os diferentes atores.

Atualmente, entende-se que o processo regulatório atual, está sujeito a dois riscos principais: a “captura” e a “politização”. Ambos são deletérios e trabalham contra o interesse comum.

Captura ocorre quando o interesse de determinado agente econômico passa a controlar um ente regulador, muitas vezes em contradição com o interesse público. A captura acontece quando o que deseja determinado agente econômico, tem mais influência do que aquilo que o interesse público demanda.

A politização aparece quando decisões reguladoras são tomadas com base em pressões políticas e não em bases técnicas. A politização pode ser o resultado de agendas especificas ou de campanhas ideológicas.

Em ambos os casos, as complexidades técnicas são ignoradas, assim como as consequências futuras de decisões ideológicas. São o resultado de atores em busca de ganhos políticos, particularmente quando próximos a processos eleitorais, com debates manipulados.

A solução para evitar a captura, passa pela transparência e pela responsabilização. Os reguladores devem ser responsáveis pelas decisões que tomam, o que demanda um processo de tomada de decisões claramente definido e documentado, com justificativas sólidas quanto as decisões tomadas. Devem ser previstos mecanismos de apelação das decisões, assim como o respeito aos princípios de justiça, probidade e imparcialidade.

A transparência é a prática consagrada de ser e estar aberto a todos os atores, quanto a objetivos, processos, dados e regulação. É a base para que a confiança pública se desenvolva baseada no fato de que as decisões do regulador são reconhecidas por estarem voltadas, primordialmente, para o interesse público.

Outros atributos decisivos para o bom funcionamento das agências reguladoras são: autonomia e estabilidade, bem como a independência e delegação.

A independência é necessária para que a regulação possa alcançar seu objetivo: o de alinhar o interesse público e o privado. Para que isto aconteça os reguladores tem que ter independência com relação aos principais atores nos processos, a saber; as empresas ou concessionarias, o governo e os políticos e, finalmente, os consumidores.

A independência também traz aos consumidores, a certeza de que os reguladores não são capturados pelos investidores e complementa os mecanismos de transparência e de responsabilidade. A independência traz aos investidores, a certeza da separação das decisões técnicas e econômicas, das decisões políticas. Desaparece a noção de que cada governo de turno traz seu próprio marco regulatório para disciplinar a atuação de determinado setor complexo da economia.

A independência é a fase final da delegação. A delegação permite que sejam superadas assimetrias na informação e aumenta a eficiência da governança em áreas técnicas, ao permitir o uso do conhecimento e da experiência, levando a redução dos custos políticos. A delegação de decisões, tanto do ponto de vista legal, como na pratica, a uma agência autônoma representa um índice de consistência e credibilidade.

Vale ressaltar que quanto maior for o risco de mudanças de governo ou de políticas, mais autônoma deve ser a agência. Quem investe em setores cuja maturação tarda décadas, não pode ficar ao sabor da ideologia predominante em determinado momento da história de um país.

Para quem delega, este ato pode, aparentemente, apresentar algumas desvantagens e custos. Daí decorre a tentativa de implementar medidas para conter a amplitude da independência/delegação. Tais medidas costumam incluir sanções, mecanismos de seleção, monitoramento e avaliações institucionais. Como tais medidas limitam a autonomia de uma agência, uma forma de medir a independência de determinada instituição, é pela verificação existência de tais controles.

A independência de agências reguladoras espelha- se fortemente nos Bancos Centrais, os quais, tradicionalmente, recebem autonomia dos governos, para dar credibilidade a políticas monetárias. Para avaliar o grau de independência formal de Bancos Centrais, em 1992, Cukierman,Webb & Neyapati, desenvolveram uma metodologia capaz de medir os diferentes aspectos da sua natureza legal, poderes, e
controles aos quais estão submetidos . Em 2001, Fabrizio Gilardi adaptou este índice para medir a independência formal das agências reguladoras da Europa, usando como suporte teórico o modelo do Principal-Agente.

O índice de Gilardi é composto por cinco indicadores com pesos idênticos:

  • O status do Presidente/Diretor Geral da Agência
  • O status dos membros da Diretoria
  • Relações com o Governo e Legislativo
  • Autonomia Financeira e Organizacional
  • Competência Regulatória

Estes índices podem variar entre 0 (zero), quando não há independência e 1 (um) para a independência total ou absoluta. Nesses termos, em tese, a situação ideal de independência somaria 1 (um), e valores abaixo indicariam níveis menores de independência.

No caso das agências brasileiras, pode-se estimar, que o índice fica em torno de 0,5, indicando que, na situação atual, a independência formal é bastante limitada.

Com as medidas anunciadas pelo atual governo, o nível de nossas agências reguladoras, pode vir a ser mais baixo do que o atual, indicando uma redução do nível de independência, o que teria o resultado oposto ao que se preconiza, a saber: diminuição da credibilidade e da confiança destas agencias, perante a sociedade e investidores.

O excesso de interferência governamental, sujeito às variações e influências políticas, aumentaria os riscos de captura e politização, reduzindo a independência e o nível de delegação como é desejável para uma agência reguladora competente, eficiente e eficaz. Aumentar a interferência governamental representará um retrocesso, não um avanço e os resultados se revelarão decepcionantes.

Quando concebidas e criadas originalmente, as agências reguladoras foram consideradas como órgãos de Estado. Atentos aos perigos da captura, as propostas originais previam a contratação dos funcionários das agências, pelo sistema da CLT, como forma de permitir a prática de salários competitivos com o das indústrias reguladas. Uma ação de inconstitucionalidade, apresentada ao STF pelo PT e PDT, arguiu que órgãos de Estado deveriam ter carreiras de Estado, ou seja, funcionários públicos, o que foi deferido por aquele tribunal. Hoje os funcionários e Diretores tem sua remuneração sujeita aos limites do serviço público, abaixo, portanto, dos pisos salariais que prevalecem nas indústrias reguladas. Tal assimetria é, antes de tudo, um convite à captura dos reguladores.

A Lei nº 9478, de 1997, criou o Conselho Nacional de Política Energética, como atribuição, como consta do Art. 2º da referida Lei, – “de propor ao Presidente da República políticas nacionais e medidas especificas destinadas a”- um Conselho que seria consultivo e com o objetivo de apresentar propostas. O CNPE veio a se tornar um órgão de decisão que se sobrepõe às agências e as limita em suas decisões.

Foram transferidas para os Ministérios atribuições das agências e são os Ministérios que determinam as diretrizes que devem ser por elas seguidas. Isso conspira contra a independência e transparências das entidades reguladoras.

Vê-se claramente que as questões que foram levantadas no século XIX, quanto à interferência política no processo de regulação, apesar de discutidas por mais de um século e sobre as quais há um consenso global, correm o risco de vir a ser ignoradas e relegadas no ordenamento nacional referente às agências reguladoras nacionais.

Um órgão permanente com conhecimento e experiência para formular regulações, dentro de um marco legal claro e objetivo, evitando que venham a ser feitas de forma intempestiva, sem estudos técnicos adequados, atendendo a demandas e decisões políticas, elaboradas por pessoas com pouco conhecimento e experiência, deveria ser o objetivo a alcançar. A rotação natural dos cargos no Legislativo ou no Executivo, desaconselham sua participação no processo regulatório. Resultados recentes mostram que muitas das decisões tomadas, praticamente a revelia das agências reguladoras, não foram as mais adequadas e vieram a prejudicar o bom funcionamento da economia.

Uma agência reguladora, com centenas de funcionários especializados e dedicados exclusivamente aos trabalhos de regulação de uma indústria complexa, é submetida ao controle, a orientação e a determinações de grupos muitas vezes menor e que não tem o mesmo grau de conhecimento, experiência e dedicação dos quadros estáveis de um ente regulador. É a politização do processo.

Funcionários ministeriais são indicações políticas, com agendas próprias que comprometem a independência e a qualidade do trabalho de regulação necessários ao equilíbrio entre os interesses da sociedade, dos agentes econômicos e os dos próprios governos.

Nas propostas que estão sendo divulgadas, há pontos positivos, como o aumento do mandato dos diretores para 5 anos, sem reconduções, que se associado a uma rotatividade intercalada do quadro de direção, como previsto inicialmente, permitirá uma continuidade de conceitos, ao mesmo tempo em que permite a renovação dos reguladores.

Outro ponto interessante é a desvinculação do orçamento das agências do orçamento dos Ministérios, o que permitirá menos interferência na fixação dos valores anuais dos programas e projetos a serem desenvolvidos.

Hoje, embora a receita para o funcionamento das agências, seja originária das indústrias que regulam, não demandando recursos orçamentários oriundos de outras fontes, as quais atendem as necessidades obrigatórias do orçamento da União, tais como Saúde, Educação, e Segurança, as agências ficam sujeitas aos condicionamentos dos contingenciamentos impostos pelo Executivo, os quais reduzem, substancialmente os valores disponibilizados para o uso, afetando a independência, a eficiência e a eficácia.

Ser um centro de custo independente é um grande avanço, mas é preciso a segurança de que os contingenciamentos como vêm sendo praticados há muitos anos não venham a ocorrer. Caso contrário, de nada adiantará a independência orçamentária preconizada.

Os valores recebidos pelas agências têm representado valores muito menores do que aqueles a elas atribuídos por Lei. Como recursos previstos em Lei não podem ser cortados, mas, podem ser contingenciados, como mencionado, são criados enormes problemas para o cumprimento correto das atribuições que as agências recebem, também por Lei. Pagar pessoal, mas não alocar verbas para o acompanhamento, avaliação, regulação e fiscalização, é um erro.

É preciso cuidado, reflexão e equilíbrio para não piorar uma situação que já é difícil e que vem causando falta de interesse dos investidores nacionais e estrangeiros com relação a participação o desenvolvimento da nossa infraestrutura, dos nossos ativos, trazendo grandes prejuízos para a sociedade.

O desejo de controle político não é adequado, quando o que se deseja é transparência, responsabilidade e desenvolvimento da confiança de que os interesses da sociedade são contemplados, sem prejudicar os interesses do agente econômicos e dos governos. Sem confiança, não há o desenvolvimento econômico desejado.

John Milne Albuquerque Forman
Geólogo pela Universidade do Brasil (1961) e Mestre em Ciências pela Universidade de Stanford (1967). Já foi Presidente, Diretor e Membro do Conselho de diversas empresas nos setores de Óleo & Gás, Petroquímico, Nuclear e Mineração. No setor acadêmico atuou como Professor da UFRJ e Diretor do CNPq.
John Milne Albuquerque Forman

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